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  • Foto do escritorMarcio Both

As Ciências Agrícolas e sua Institucionalização no Brasil

O processo de institucionalização das ciências agrícolas no Brasil é o foco do livro de Graciela de Souza Oliver, o qual é resultado de tese de doutorado, defendida em 2005, junto ao Programa de Pós-graduação em Ensino e História de Ciências da Terra da Universidade Estadual de Campinas. Trata-se de um estudo historiograficamente relevante, baseado em diferentes fontes documentais, produzidas pelas principais instituições voltadas ao ensino de agronomia no período entre 1930 e 1950.


A leitura do livro de Oliver indica que o marco cronológico escolhido para análise engloba um dos momentos mais importantes da história da agronomia e da engenharia agronômica no Brasil. Todavia, a autora é perspicaz em demonstrar que este momento está conectado a uma historicidade maior, a qual nos remete aos processos experienciados no país ao longo do século XIX, com destaque especial as medidas adotadas pelo Império na segunda metade do século XIX e que tinham como objeto a instrução rural e o melhoramento da agricultura brasileira (temas que foram objeto de descrição em postagens anteriores aqui no Blog da Poeira).


Por sua vez, a história não se encerra em 1950, pois Oliver também demonstra que a partir desse momento temos a constituição e o estabelecimento de novos paradigmas que passaram a organizar o funcionamento, a organização e os objetivos das chamadas ciências agrícolas, mais precisamente da agronomia. Portanto, ao tratar da institucionalização das ciências agrícolas no Brasil, Oliver demonstra que ela é resultado de uma longa história e que a década de 1950 é a “última etapa do processo de emergência das ciências agrícolas, iniciado no século XIX” (OLIVER, 2009, p. 275). Na verdade, como a própria autora demonstra no primeiro capítulo do livro, essa história nos remete ao século XVIII, quando Portugal passa por uma série de transformações e renovações administrativas, as quais têm impacto direto em suas colônias, principalmente naquilo que diz respeito a agricultura e a necessidade de dinamizá-la e melhorá-la.


Para realizar seu estudo, Oliver analisa a trajetória das principais escolas voltadas a formar agrônomos e engenheiros agrônomos no Brasil do período: a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ – São Paulo), a Escola Nacional de Agricultura (ENA – Rio de Janeiro), a Escola Agronômica da Bahia (EAB – Bahia) e a Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais (ESAV – Minas Gerais). Embora não fossem as únicas instituições interessadas na formação agronômica no Brasil da época, elas eram as mais reconhecidas e aquelas que, principalmente a ENA, desempenhavam o papel de servir de modelo e inspiração para as outras instituições em funcionamento em outros estados da Federação.



O livro de Oliver é dividido em 3 capítulos, os quais seguem uma sequência lógica que inicia com o primeiro deles tratando sobre a emergência das ciências agrícolas no Brasil do século XIX e, nos dois capítulos sequentes, a autora direciona e orienta suas análises para o seu marco cronológico no sentido de demonstrar o os novos rumos que o processo de institucionalização “iniciado no século XIX” adotam. Assim, as mudanças, as permanências e as novidades que este período inaugura passam a ser o mote das análises. Para dar conta desse objetivo a autora analisa muito diretamente a estrutura curricular, o rol de disciplinas e a trajetória de alguns professores e estudantes que atuaram e estudaram nas 4 escolas analisadas. Entre outros assuntos abordados, como resultado dessas análises, Oliver demonstra que a institucionalização das ciências agrárias é acompanhada por um processo de especialização e de subdivisão do campo do conhecimento agronômico.


É uma caminhada em que a agronomia e o profissional formado passam a englobar e a ter o domínio sobre um conjunto de conhecimentos que, no século XIX, constituíam de forma mais genérica as “ciências agrícolas”. Do mesmo modo, além da institucionalização e da especialização, a experiência do século XX, em relação ao século XIX e XVIII, também traz como novidade a profissionalização que, por sua vez, é acompanhada pela constituição/consolidação de entidades de representação dos profissionais de agronomia.


Todavia, continuidades também são verificáveis e a principal expressão disso é a de que, enquanto outras áreas cientificas caminhavam, a partir de 1920, no sentido de incorporarem a ciência experimental, “restando pouco lugar para as artes uteis como um todo”, em outras palavras, para as chamadas ciências naturais, no caso da formação agronômica, tal presença se manteve constante até o final do período analisado por Oliver. Característica que estava conectada a compreensão do que era a agronomia, do papel e dos trabalhos que deveriam ser desempenhados pelos egressos das escolas. Realidade que também repercutia na escolha daqueles que poderiam entrar no quadro docente e discente das escolas, dificultando o ingresso de mulheres, pois elas eram consideradas moral e fisicamente incapazes de exercerem algumas atividades agrícolas, com exceção dos trabalhos laboratoriais. Assim, durante o período analisado por Oliver, não há registros de professoras mulheres atuando nas escolas analisadas e, dos 1931 egressos, apenas 21 eram mulheres, formadas na ESALQ, ENA e EAB, pois a ESAV formou sua primeira aluna no curso de engenharia agrícola apenas em 1961.


Outro importante tema debatido por Oliver diz respeito aos conflitos e debates internos as escolas, seus professores e os profissionais formados na área no sentido de definir o campo e o conjunto de conhecimentos e domínios técnicos e práticos que uma pessoa deveria adquirir para participar dele. Embates que, por sua vez, estavam relacionadas as disputas políticas e a realidade econômica, social e cultural do Brasil a época. Esse conjunto de situações, por seu turno, definia o perfil dos ingressantes nessas escolas, bem como seus critérios de funcionamento e os sentidos que a ciência e o conhecimento científico adotavam nestas escolas. Nessa direção, Oliver conclui que nas instituições analisadas, “salvo alguns posicionamentos diferentes, que, de fato, confirmam a regra, as ideias e os valores que permeavam as atividades científicas, eram de caráter conservador” (OLIVER, 2009, p. 275).


Creio que tal característica tem muita relação com o desenho da agricultura brasileira na época, com o domínio político e econômico exercido pelo latifúndio e pelo fato de o Brasil ainda ter sua economia muito diretamente atrelada a monocultura, especialmente a produção agrícola cafeeira. Enfim, este perfil está diretamente atrelado a questão agrária brasileira que, na época, estava em ebulição. Assim, embora a autora não deixe de mencionar estes aspectos, creio que seria interessante o desenvolvimento de uma análise mais articulada e detida entre eles e o processo de institucionalização das ciências agrárias no Brasil. Principalmente no sentido de fazer avançar as interpretações clássicas sobre o tema, com as quais a autora dialoga profícua e criticamente, mas que poderiam ganhar outros contornos, talvez mais precisos, a partir das fontes e temas debatidos por Oliver. Entretanto, este não é o objeto e o objetivo da tese da autora, mas nada impede que venha a ser para outros e futuros estudos. Fica a dica...

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